sábado, 17 de maio de 2008

Doenças Auto-imunes

ESCLERODERMIA
O que é e por que acontece


Conhecida por transformar as pessoas em pedras, a esclerodermia, que vem das palavras gregas sklerosis (dureza) e derma (pele), literalmente significa pele dura. Trata-se de uma doença auto-imune rara e progressiva que provoca o crescimento anormal do tecido conjuntivo. Embora rara, é a mais mortal de todas as condições reumatológicas. Os dados epidemiológicos mais confiáveis sugerem que ela acomete entre 24 e 30 pessoas por milhão a cada ano, contou à SAÚDE! o professor James Seibold, do Programa de Esclerodermia da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos. Não se sabe a razão, mas os que sofrem da doença produzem uma quantidade exagerada de colágeno, a proteína do tecido conjuntivo responsável por estruturar e unir os diferentes tecidos do corpo. A superprodução dessa substância, comparável ao processo de formação das cicatrizes, não só leva ao enrijecimento da pele como pode afetar vasos sangüíneos e órgãos internos, como o coração, os pulmões e os rins. Embora as causas da doença não sejam conhecidas, suspeita-se que alguns fatores estejam ligados ao seu desenvolvimento. Por uma ação defeituosa do sistema imune, um grupo de células chamadas fibroblastos passaria a produzir uma grande quantidade de colágeno. A deposição excessiva da proteína levaria ao engrossamento e ao endurecimento do tecido conjuntivo dentro da pele e dos órgãos internos. Em circunstâncias normais, os fibroblastos são ativados pelo sistema de defesa em resposta a uma lesão para que para produzam uma cicatriz. Nas pessoas com esclerodermia, o tecido cicatricial é produzido sem razão aparente.
 

O papel dos genes

Não é um mal hereditário, mas acredita-se que haja uma predisposição genética. Algumas pesquisas sugerem que a exposição a determinados fatores ambientais, como infecções virais, e o contato com metais pesados e solventes orgânicos possa atuar como uma espécie de gatilho, disparando o aparecimento da moléstia. Outros estudos mostraram que mulheres entre o meio e o fim da idade fértil ou seja, de 30 a 55 anos são afetadas entre sete e doze vezes mais do que os homens. Por causa disso, desconfia-se que os hormônios femininos possam ter algum papel na doença, embora nada tenha sido provado até agora.



Como a esclerodermia se manifesta

Há dois tipos de esclerodermia: a localizada, mais comum em crianças, ataca apenas certas partes do corpo, e a sistêmica, que pode afetar todo o organismo, incluindo os órgãos internos. A esclerodermia localizada é classificada em dois sub-tipos: morféia e linear. A morféia, forma mais comum da enfermidade, caracteriza-se pelo aparecimento de placas avermelhadas na pele, que acabam por endurecer e mudar de cor. As nódoas, mais freqüentes no peito, costas e estômago, tornam-se esbranquiçadas no centro e violeta nas bordas. A morféia geralmente desaparece entre três e cinco anos, mas deixa no doente manchas escuras. Como o próprio nome indica, a esclerodermia linear caracteriza-se pelo aparecimento de áreas lineares de pele enrijecida. Os braços e as pernas costumam ser as regiões mais atingidas. Quando aparecem na testa ou no rosto, as estrias ganham o nome de golpe de sabre justamente por lembrarem o ferimento causado pela arma e podem levar à atrofia de parte da face. A esclerodermia sistêmica é mais comum em adultos e afeta órgãos internos e vasos sangüíneos de pequeno calibre, que tendem a estreitar-se e chegam, em alguns casos, a ficar inteiramente obstruídos. A forma sistêmica também é classificada em dois sub-tipos: o limitado e o difuso.

Onde e quem ela ataca

A esclerodermia afeta indivíduos de todas as raças, especialmente mulheres. O risco de desenvolver a doença é entre três e nove vezes maior entre o sexo feminino. A maioria dos casos atinge pessoas entre 30 e 55 anos. O modo limitado em geral se desenvolve gradualmente e agride apenas regiões “limitadas” da pele, como dedos, mãos, pernas e rosto. Pessoas acometidas pela forma limitada da doença apresentam um grupo de sintomas ao qual foi dado o nome de CREST (acrônimo em inglês para calcinose, Raynauld, esôfago, esclerodactilia e telangiectasia). A calcinose, acúmulo de sais de cálcio no tecido subcutâneo, não é exclusiva da esclerodermia e também pode aparecer em pessoas atingidas pelo lúpus e outras doenças do tecido conjuntivo, como a dermatomiosite. A calcinose normalmente aparece nos dedos, mãos e perto dos joelhos e dos cotovelos. Os depósitos de cálcio freqüentemente afloram na superfície da pele, formando úlceras bastante dolorosas. O fenômeno de Raynauld, que também não é exclusivo da esclerodermia, leva os pequenos vasos das mãos e dos pés a se contraírem em resposta ao frio ou ao estresse, fazendo com que essas áreas se tornem esbranquiçadas ou azuladas. Em casos mais graves, o tecido fica tão danificado que serve de porta de entrada para úlceras e gangrena. “A causa exata do fenômeno de Raynaud não é conhecida. O que se sabe é que há uma inter-relação entre o excesso de colágeno e a reatividade dos vasos sangüíneos”, relata José Carlos M. Szajubok, professor assistente de Reumatologia da Faculdade de Medicina do ABC. A disfunção do esôfago é resultado da perda de parte do movimento dos músculos lisos do órgão devido ao enrijecimento do tecido cartilaginoso. Com isso, os doentes passam a ter azia e dificuldade de deglutição. A esclerodactilia é o endurecimento da pele dos dedos, que leva os pacientes a terem dificuldade em diferentes graus de dobrá-los e esticá-los. Por fim, a telangiectasia é a formação de pontos vermelhos na superfície de pele, freqüentemente nos dedos, nas palmas, no rosto, nos lábios e na língua. A esclerodermia difusa surge repentinamente. O enrijecimento da pele costuma ter início nas mãos e se espalha rapidamente por outras regiões do corpo, especialmente os órgãos internos. A longo prazo, as pessoas acometidas pelo mal costumam desenvolver sérios problemas no coração, nos rins e nos pulmões.

Sintomas mais comuns

Eles variam muito, mas o principal sinal é o espessamento e o enrijecimento de diferentes regiões da pele. Outras manifestações incluem descoloração da pele, aparecimento de pintas vermelhas nas mãos, nos antebraços, no rosto e nos lábios (condição conhecida como telangiectasia), dor e perda de flexibilidade nas articulações, sensação de dormência nas extremidades, pele com aparência de marfim, arqueamento e endurecimento dos dedos, coceira na pele, alteração de cor na ponta dos dedos devido ao frio ou ao estresse (condição chamada Fenômeno de Raynaud), aparecimento de feridas em algumas regiões -- como no nó dos dedos e no cotovelo --, perda de peso, cansaço, dificuldade de engolir, azia e encurtamento da respiração. “Entender a esclerodermia ajudará a entender e tratar muitas outras doenças que compartilham com ela os mesmos sintomas. Isso inclui o fenômeno de Raynaud, a hipertensão pulmonar, as desordens crônicas do esôfago etc. A lista é bastante longa, mas inclui toda uma série de condições que levam à formação de tecido cicatricial por causa da super reatividade do sistema imune e da inflamação” , teoriza James Seibold.

O diagnóstico

O fato de alguns sintomas iniciais lembrarem o do lúpus e o da artrite, também doenças auto-imunes, aliado à grande diversidade de manifestações, dificulta o diagnóstico. Geralmente ele é feito por meio da análise da história clínica do paciente e exames físicos e laboratoriais, que ajudam a determinar a extensão e a severidade da doença, ou seja, quais partes do organismo foram afetadas e em que grau. O diagnóstico é mais rápido quando o paciente apresenta um também rápido espessamento da pele. Na maior parte das vezes, no entanto, ele pode demorar meses e até anos. Sinais como manchas espessadas na pele, aparecimento de depósito de cálcio abaixo dela e alteração nos capilares sob a base das unhas ajudam o médico a chegar a uma conclusão.

E surgem as complicações

A esclerodermia varia tanto de pessoa para pessoa que praticamente os pacientes têm a sua própria versão da doença. Embora em alguns casos ela possa pôr em risco a vida do paciente, boa parte consegue ter uma vida relativamente normal. As complicações dependem de qual região do corpo foi atacada e podem variar de leves a graves. Nas juntas, os problemas são parecidos com os da artrite -- surgem dor, vermelhidão, inflamação, perda da flexibilidade e até a deformidade. Quando ataca os dedos das mãos, a esclerodermia costuma limitar (em graus variáveis) a realização de tarefas cotidianas, como escovar os dentes e o cabelo, segurar uma xícara etc. As principais encrencas acontecem quando o alvo da doença é um órgão vital, como os rins, o coração e os pulmões. No caso dos rins, pode levar à hipertensão severa e até à falência do órgão. A esclerodermia às vezes causa hipertensão e fibrose pulmonar, ou seja, a cicatrização e o endurecimento dos tecidos do órgão. Quando ataca o coração, chega a afetar o bombeamento de sangue e alterar o ritmo cardíaco, podendo causar a falência do órgão. Hipertensão pulmonar e crise renal são as causas de morte mais comuns. Geralmente a expectativa de vida gira em torno de doze anos a partir do diagnóstico, mas depende muito de que órgãos e em que grau foram afetados. “O envolvimento dos pulmões é a principal causa de morte entre os doentes. Pacientes cujos pulmões não foram atacados têm 75% de chance de viverem ao menos 20 anos”, explica Seibold. Um dos grandes problemas da doença é o enrijecimento da pele do rosto. É a dificuldade de aceitar a nova condição que mais atrapalha a vida daqueles que foram acometidos por ela. O medo de não se sentir atraente e ser rejeitado pelo companheiro ou companheira é uma das principais causas da baixa auto-estima entre os pacientes.

E dá-lhe (mais) encrencas

Noventa por cento das pessoas com esclerodermia apresentam o fenômeno de Raynaud. Para evitar o agravamento da condição e futuras complicações, os médicos recomendam não fumar. O tabaco leva à vasoconstrição, agravando ainda mais o problema. Nos casos mais severos, costuma-se indicar drogas que bloqueiam os canais de cálcio, que ajudam a retomar a circulação na região afetada. A articulação das mãos e de outras áreas do corpo pode enrijecer devido a inflamação e ao endurecimento da pele ao redor das juntas. Nesse caso, exercícios de alongamento são extremamente importantes para prevenir a perda do movimento. A atividade física, desde que feita sob orientação, ajuda a preservar a mobilidade das articulações afetadas. Antiinflamatórios contribuem para o alívio da dor e o combate a inflamações nessas áreas. O excesso de colágeno pode levar ao entupimento das glândulas sebáceas e sudoríparas, fazendo com que a pele fique extremamente seca. Os médicos aconselham o uso de loções e cremes hidratantes e de protetor solar antes de sair de casa. Banhos muito quentes, assim como contato com produtos de limpeza, devem ser evitados. Se isso for inevitável, recomenda-se o uso de luvas. A esclerodermia sistêmica pode afetar qualquer órgão do sistema digestivo. Boa parte das pessoas com a doença tem azia, dificuldade para engolir, sensação de saciedade precoce e outros problemas, como diarréia, constipação e gases. Os médicos sugerem aos pacientes que comam alimentos macios e úmidos, façam várias refeições ao dia, sempre mastigando bem, e que procurem ficar de pé depois das refeições para evitar o refluxo. Praticamente todas as pessoas com esclerodermia sistêmica terão alguma perda da função pulmonar. Alguns desenvolvem problemas mais sérios, como fibrose pulmonar e hipertensão pulmonar (alta pressão nas artérias que levam o sangue do coração aos pulmões). Nesses casos, costuma-se fazer uso de medicamentos específicos para tratar essas problemas. Recomenda-se também fazer testes de função pulmonar, especialmente nos estágios iniciais da doença. Eles podem ajudar a evitar complicações futuras. Problemas no coração, entre eles cardiomiopatia, arritmia e miocardite - uma inflamação do músculo cardíaco - são comuns em pessoas com esclerodermia. Dependendo da natureza do problema, o tratamento recomendado é a cirurgia.

Os tratamentos

Atualmente não existe nenhum tratamento que controle ou evite os problemas decorrentes da superprodução de colágeno. As terapias disponíveis servem apenas para aliviar os sintomas e limitar os danos. A esclerodermia é bastante específica, quer dizer, ela se manifesta de diferentes formas em cada paciente. Por isso nem todas as terapias funcionam da mesma forma. O médico é quem poderá indicar qual a melhor opção para cada um. Dependendo de que órgãos e sistemas foram afetados, os cuidados com a doença podem envolver uma série de especialistas. Normalmente a esclerodermia localizada é acompanhada por um dermatologista e a sistêmica, por um reumatologista. Entretanto, esses mesmos médicos podem recomendar a visita a um cardiologista, por exemplo, no caso de o coração ter sido afetado.
Fonte: Revista Saúde

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