terça-feira, 12 de maio de 2009

Illuminatti

Os Illuminatti da Bavária
Se você curte ficção científica, gosta de RPG ou é afeito a teorias conspiratórias em geral, certamente já ouviu falar nos Iluminatti. Fundada em 1776, na Bavária, por Adam Weishaupt, a Ordem dos Iluminatti tornou-se o protótipo da sociedade secreta disposta a dominar o mundo e inspirou uma trilogia alucinante e alucinada de Robert Anton Wilson que, por sua vez, serviu de inspiração a um RPG criado por Nigel D. Findley. A imagem popular dos Iluminatti como personagens sinistros, ocultos nas sombras e manipulando os acontecimentos com uma influência sutil e pervasiva, porém, está muito longe da realidade e surgiu, de fato, da pena fantasiosa de autores de direita, que viam nas propostas libertárias de Weishaupt uma ameaça ao status quo e fizeram o possível para desacreditá-lo junto ao público. Foi assim que Weishaupt, um estudante de jurisprudência apaixonado pelo iluminismo e pelos romances libertinos franceses, e dedicado ao propósito de "aperfeiçoar e enobrecer a humanidade", transformou-se em uma espécie de Fu Manchu avant la lettre. Muito pelo contrário, a criação dos Iluminatti da Bavária marca uma das raras ocasiões em que as duas grandes tendências históricas nascidas do movimento gnóstico - o esoterismo e o anarquismo - tornaram a se encontrar.

Teologia negativa e exercícios espirituais. - Nascido em 1748, em Ingolstadt, Adam Weishaupt foi criado pelos jesuítas até completar 15 anos, quando entrou para uma faculdade de direito, onde se formou e, aos 24 anos, tornou-se professor de jurisprudência. Quatro anos mais tarde, à frente de um grupo de doze pessoas que denominavam a si mesmas de Areopagitas, Weishaupt criou uma sociedade secreta, batizada inicialmente de Perfeccionistas, devido a seu propósito de buscar o aperfeiçoamento do ser humano. Para eles, esse aperfeiçoamento passava pela ênfase no livre-arbítrio e no uso da razão, que Weishaupt tomou dos Iluministas franceses, bem como pela obtenção da Iluminação espiritual que está no coração de todas essas religiões. Por esse motivo, não demorou muito para que a ordem fosse rebatizada como os Iluminatti, termo que traduzia o duplo significado - filosófico e místico - da iluminação.
O sentido místico dessa iluminação já estava presente no nome Areopagitas, referência a Dionísio, o Areopagita, a quem é atribuída a autoria de uma das obras fundamentais do misticismo cristão, De Mystica Theologia. Nesse livro, o pseudo-Dionísio (já que a obra é considerada apócrifa pelos especialistas) desenvolve a idéia de que Deus é a Suprema Realidade que, como tal, pode apenas ser experimentada, mas não descrita, já que Deus é infinito e a nossa linguagem, finita. Todas as descrições do divino, todos os atributos que lhe são adjudicados, até mesmo aqueles que se encontram nas Escrituras, são apenas aproximações, que devem ser abandonadas quando, por meio de uma longa disciplina espiritual, a alma se eleva acima das realidades transitórias deste mundo e torna-se capaz de contemplar Deus diretamente. Essa abordagem, que remonta ao gnosticismo valentiniano e encontra paralelos nas religiões orientais, na cabala judaica e em quase todas as correntes do misticismo, é conhecida como teologia negativa.
Os iluministas franceses, por sua vez, eram ou ateus declarados, como Diderot, ou teístas como Voltaire, que defendiam uma concepção racional de Deus, segundo a qual este se igualava às leis da Natureza. Teoricamente, nada poderia estar mais distante da teologia negativa do que isso. Mas para Weishaupt, talvez por sua educação jesuíta, as duas tendências não só podiam ser conciliadas como, de fato, eram complementares. De fato, a Companhia de Jesus nasceu de uma experiência mística sofrida pelo soldado espanhol Iñigo de Loyola que, depois de sua conversão, adotaria o nome de Ignácio e seria canonizado pela Igreja. Santo Ignácio, no entanto, tinha uma mente analítica e tratou de sistematizar uma técnica mediante a qual, por meio de uma série de práticas regradas e visualizações dirigidas, qualquer um poderia chegar a uma experiência semelhante à dele. Nasciam assim os Exercícios Espirituais, um verdadeiro sistema ocidental de ioga, que ninguém menos do que Israel Regardie - um dos grandes responsáveis pelo renascimento da magia cerimonial no século XX - considerava uma ferramenta essencial para treinar a imaginação na prática da magia.
Embora não existam registros históricos - até porque, no que tange a essa ordem, todas as informações são vagas e nebulosas -, é razoável supor que Weishaupt tenha adotado os Exercícios Espirituais como parte da prática dos Iluminatti.
Maçonaria. - Além dos jesuítas, iluministas e místicos cristãos, outra influência de peso nas idéias de Weishaupt foi a Maçonaria. Surgida a partir das guildas de construtores da Idade Média - que evoluíram do gnosticismo, do qual conservaram boa parte do simbolismo e das doutrinas -, a Maçonaria era, no século XVIII, uma ordem comprometida com os mesmos ideais de Weishaupt e desempenhou um papel fundamental na Revolução Francesa e nas lutas pela independência das colônias americanas. Praticamente todos os founding fathers dos Estados Unidos, inclusive George Washington e Thomas Jefferson, eram maçons e é por isso que, até hoje, as notas de dólar trazem um selo com o Olho que Tudo Vê pairando sobre uma pirâmide. O olho luminoso inscrito num triângulo é um símbolo maçônico de Deus e a pirâmide representa, entre outras coisas, a identidade última do espírito (o triângulo) e da matéria (quadrado).
Dos maçons, Weishaupt pegou emprestada a estrutura da organização, dividida em vários graus, aos quais os membros iam ascendendo por uma série de iniciações sucessivas. Foi de lá também que veio a idéia de sinais de identificação, senhas e apertos de mão secretos pelos quais os Iluminatti identificavam uns aos outros em público. É possível que boa parte do simbolismo gnóstico-alquímico da Maçonaria também tenha sido absorvido por Weishaupt, que se tornou maçon em 1777, um ano após a criação dos Iluminatti, possivelmente com o objetivo de usar essa sociedade secreta a fim de recrutar novos membros para sua própria ordem.
Com ou sem a ajuda da Maçonaria, o fato é que os Iluminatti cresceram e se estenderam para outros países, conquistando adeptos entre a nobreza européia e inclusive dentro do clero. E foi aí que os problemas começaram.
O Fim dos Iluminatti. - O século XVIII foi um período de grandes turbulências políticas e sociais. A revolução burguesa avançava a pleno vapor, substituindo os nobres como classe dominante e solapando os governos e instituições que tinham na nobreza o seu ponto de apoio. Nesse clima, é óbvio que nem a Igreja nem o Estado viam as sociedades secretas com bons olhos, mesmo que - ou até porque - muitos de seus membros fossem filiados a grupos ocultistas. Foi um desses agentes duplos, o Pe. Cosandey, que a Igreja resolveu espremer em 1785 para descobrir tudo o que pudesse sobre os Iluminatti. E Cosandey não se fez de rogado. Não se sabe o quanto de seu depoimento correspondia à realidade e o quanto era uma fantasia destinada a dar a seus inquisidores o que eles queriam ouvir.
Seja como for, Cosandey contou histórias de arrepiar os cabelos dos padres. Falou sobre as orgias praticadas pelo círculo interno da ordem - os Areopagitas originais - e declarou que eles eram, ou pretendiam ser, imortais. De acordo com Cosandey, os Iluminatti haviam tomado a Maçonaria e outras ordens similares, que não passavam de cobertura para os planos de Weishaupt, e pretendiam fazer a mesma coisa com a Igreja. Era o pretexto de que as autoridades eclesiásticas precisavam para mover uma perseguição sem tréguas aos Iluminatti.
A situação agravou ainda mais os crescentes conflitos entre os Areopagitas. Um ano antes das revelações do Pe. Cosandey, o Barão von Knigge, que era o encarregado de recrutar novos membros entre a nobreza e o clero, desligou-se dos Iluminatti depois de se desentender com Weishaupt. Seu exemplo foi seguido por outros e, de repente, as ruas da Bavária se viram inundadas com panfletos difamando Weishaupt e a sociedade que ele havia criado. Com base nessas acusações, o governo bávaro colocou todas as sociedades secretas na ilegalidade. Recrutar novos membros tornou-se um crime capital, punido com a decapitação, e os principais integrantes, entre os quais o próprio Weishaupt, foram exilados depois de terem seus bens expropriados pelo Estado.
Mais tarde, essas medidas foram abrandadas, os exilados tiveram suas penas comutadas e puderam voltar para casa - com exceção de Weishaupt, que morreria no exílio em 1830. A pressão fez com que a ordem fosse minguando, até sair da vida para entrar na história. Exceto, claro, para os teóricos da conspiração. Segundo eles, os Iluminatti apenas simularam seu desaparecimento para escapar à perseguição e continuariam até hoje como eminência parda por trás de cada acontecimento suspeito no mundo. Para eles, não é coincidência que o Dia Internacional do Trabalho ainda seja comemorado na mesma data em que os Iluminatti foram fundados: 1º de maio.
A iluminação universal. - Mas, afinal de contas, o que os Iluminatti pregavam de tão subversivo, para que tenham se transformado no bicho-papão absoluto dos paranóicos de direita? A resposta é: a mesma coisa, nem mais, nem menos, que algumas décadas depois se tornaria o núcleo do pensamento anarquista. "O Homem não é mau a menos que seja levado a isso por uma moralidade arbitrária", declarava Weishaupt, traindo Rousseau como sua leitura de cabeceira. "Ele é mau porque a religião, o Estado e os maus exemplos o pervertem. Quando, finalmente, a razão se tornar a religião do Homem, este problema estará resolvido."
Parece uma declaração mais do que razoável, assim como a profissão de fé antipatriótica dos Iluminatti, para os quais "o nacionalismo é uma prisão" e "o patriotismo é um obstáculo à solidariedade entre os homens". Não seriam as vítimas de cada genocídio jamais perpetrado desde a aurora dos tempos que estariam em condições de discordar.
Na visão dos Areopagitas, o nacionalismo, assim como as crenças da religião organizada, o próprio Estado, a família e a propriedade privada, não passam de instrumentos de manipulação criados para manter a humanidade numa condição de perpétua ignorância: "As pessoas são crianças crescidas, que deveriam ser libertadas da tutela dos reis e dos príncipes."
Em outras palavras, a meta dos Iluminatti era uma sociedade sem classes, sem estado e sem fronteiras. Para atingir esse objetivo, era preciso, antes de mais nada, libertar o ser humano dos condicionamentos impostos pelos donos do poder. E é aí que entrava a Iluminação, entendida ao mesmo tempo como uma emancipação filosófica e uma transformação espiritual: "A iluminação universal torna as nações e os governantes supérfluos."
Nada poderia ser mais ofensivo aos donos do poder do que essa proposta. Nada poderia ser mais assustador para os que cresceram acreditando que os Pais da Pátria devem tomar todas as decisões por nós. Nada poderia ser mais ameaçador para todos os pequenos e grandes tiranos, que se aproveitam da dependência artificial imposta à humanidade a fim de construírem seus feudos e alimentarem seus lucros. Nada poderia incomodar mais aos autoproclamados vigários de Deus na Terra, para os quais Deus não é o nome de uma realidade incompreensível, acessível apenas mediante a Iluminação, mas um soberano celeste ciumento e vingativo, do qual alegam emanar a autoridade que exercem.
Contrariando tantos interesses, não é de admirar que os Iluminatti fossem demonizados por seus adversários. O que causa espanto é que, para isso, estes tenham projetado sobre Weishaupt e seus Areopagitas uma caricatura não do que eram os Iluminatti, mas dos monstros ávidos de poder que eles próprios são

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